Pesquisadores da Unesp desenvolvem escalas validadas para avaliar dor em animais de estimação

As escalas são baseadas nos comportamentos dos animais e podem ser usadas pelos próprios tutores

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Quando um cão ou um gatinho é submetido a uma cirurgia, sentir dor no processo pós-operatório é algo comum que ocorre com esses animais, mas que nem sempre é identificado e tratado corretamente. Há cerca de uma década, o grupo de pesquisas coordenado pelo professor Stelio Pacca Loureiro Luna, médico veterinário que é docente na Unesp, vem investigando a avaliação da dor de forma objetiva e confiável através do desenvolvimento de escalas baseadas nas expressões comportamentais de diversos animais, incluindo pets. As pesquisas recebem apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A ideia dos estudos que resultam nas escalas é que se possa avaliar a dor de forma simples, identificando sua ocorrência e intensidade, o que dá suporte para decidir sobre o uso de analgésicos quando necessário. Assim, o uso dessas escalas deve ajudar a assegurar melhores condições de bem-estar para os animais operados. Os pesquisadores têm investigado avaliação de dor em cães, gatos e até mesmo em coelhos. Luna falou sobre tudo isso em entrevista para o Amo Meu Pet.

Amo Meu Pet - Pesquisadores da Universidade de Melbourne, Austrália, publicaram a primeira escala validada para avaliar dor em cães em 1999. O seu grupo de pesquisa fez isso para gatos em 2013 e vem pesquisando avaliação de dor em cães também. Em poucas palavras, poderia dizer como funcionam essas escalas de avaliação nesses animais?

Stelio Luna - Essas escalas foram pioneiras em identificar a dor em cães, no caso da escala da Melbourne, e depois em gatos, no caso da nossa escala publicada na revista BMC Veterinary Research. Antes dessas publicações, todas as escalas para avaliação de dor em animais que estavam disponíveis na literatura tinham sido adaptadas de escalas desenvolvidas para seres humanos, além de nunca terem sido efetivamente testadas, validadas e aprovadas de forma confiável. Tanto a escala de Melbourne para avaliação de dor em cães como a nossa escala para avaliação de dor em gatos funciona basicamente a partir de observação e avaliação do comportamento normal do animal e das consequentes alterações comportamentais que ocorrem quando esses animais são submetidos a situações que causam dor. A partir disso, ou seja, da observação sobre o que muda no comportamento do animal quando ele está com dor, os pesquisadores definiram alguns indicadores que devem ser observados no animal em situação potencialmente dolorosa para identificar adequadamente a ocorrência e também a intensidade da dor.

Amo Meu Pet - Os gatos geralmente são conhecidos por serem menos expressivos com seus tutores do que os cães. Avaliar dor em gatos a partir de seus comportamentos é mais difícil do que avaliar dor em cães?

Stelio Luna - Costumo comparar os gatos aos japoneses e os cães aos italianos, ou seja, a expressão comportamental de um italiano é muito mais evidente enquanto que a expressão comportamental de um japonês é mais discreta. Isso significa que embora os gatos obviamente apresentem alguns sinais comportamentais de dor, esses sinais são muito mais sutis do que nos cães. E por isso mesmo é importante que cada instrumento de avaliação da dor, ou seja, cada escala desenvolvida, seja sempre estabelecida para cada espécie. Assim, não é possível adaptar uma escala de uma espécie para outra, pois se fizermos isso deixaremos de observar comportamentos que são específicos da espécie em questão.

Amo Meu Pet - Os coelhos também podem ser animais de estimação. Como você vê a importância de avaliar dor nesses animais?

Stelio Luna - Os coelhos são animais que, paradoxalmente, podem ser tanto pets, quanto animais de pesquisa ou ainda animais de consumo, servindo de alimento. Além disso, se pensarmos apenas nos animais de estimação, hoje em dia tem crescido muito o número de pets denominados como ‘exóticos’, sendo o coelho um deles. Ou seja, além desses animais estarem presentes em variados setores, cada vez mais eles têm se tornado animais de companhia das pessoas. Assim, independentemente da situação em que os coelhos se encontram, é importante avaliar a dor nesses animais e tratá-la quando presente para que eles não sofram, visando assim garantir o bem-estar desses animais.

Amo Meu Pet - Sabemos que o seu grupo tem pesquisas sobre avaliação da dor também em coelhos. Haverá uma escala para avaliação de dor nesses animais?

Stelio Luna - Sim, o estudo já está pronto e em breve haverá uma escala publicada pelo nosso grupo de pesquisas para avaliação da dor em coelhos. É interessante destacar que foi ainda mais difícil desenvolvê-la nesses animais, porque os comportamentos dos coelhos, além de serem muito sutis, também são facilmente mascarados ou alterados na presença do observador que avalia os comportamentos. Então, esse foi um desafio importante em nossas pesquisas com esses animais. Para montar a escala, nós desenvolvemos um estudo onde observamos os comportamentos dos coelhos antes de serem submetidos a uma situação dolorosa, no caso cirurgia, e, posteriormente, observamos seus comportamentos após a cirurgia. Com isso, pudemos avaliar previamente como é a expressão comportamental normal de um coelho e, após a cirurgia, observar quais alterações ocorrem no seu comportamento em função da dor que sentem. A partir disso, desenvolvemos uma escala para avaliar a dor em coelhos para diversos tipos de cirurgias, tanto ortopédicas, como outros tipos.

Amo Meu Pet - Essas escalas de avaliação de dor que você vem desenvolvendo com seu grupo de pesquisas para os animais de estimação podem ser usadas diretamente por tutores de pets? Eles precisam passar por algum treinamento?

Stelio Luna - Embora as escalas não tenham sido originalmente desenvolvidas para os tutores de pets, mas sim com enfoque voltado para o uso clínico por médicos veterinários, estas ferramentas certamente podem ser utilizadas por tutores, desde que haja atenção na observação do comportamento dos animais. Justamente para facilitar e ampliar o uso das escalas, inclusive pelos tutores, estamos desenvolvendo um aplicativo que poderá ser facilmente utilizado a partir de um computador ou celular para avaliar a dor nos animais. O ideal é que os tutores passem sim por um treinamento antes de usar as escalas, mas o próprio aplicativo já vai possibilitar isso, pois disponibilizará vídeos que trazem os comportamentos referentes a cada alteração que ocorre quando o animal está com dor, mostrando assim para os tutores como são esses comportamentos. Com esse aplicativo, os tutores poderão avaliar a dor em seus animais na sua própria casa, bastando para isso observar atentamente os comportamentos de seu pet e seguir selecionando no aplicativo os comportamentos apresentados dentre as opções fornecidas. Se tiverem dúvida sobre algum comportamento, poderão então assistir os vídeos que exemplificam aquele comportamento. No final, o aplicativo vai indicar qual é o nível de dor que o animal deve estar sentindo de acordo com a pontuação final da escala, a partir de todos os comportamentos selecionados pelo tutor. Vale destacar que a escala para avaliação de dor pós-operatória em gatos está também disponível no nosso site, o Animal Pain.

Carol é bióloga, mestre e doutora em Zoologia pela Unesp e especialista em Jornalismo Científico pelo Labjor da Unicamp. Faz parte da equipe FishEthoGroup (FEG) de cientistas internacionais, desenvolvendo perfis de comportamento e bem-estar de espécies de peixes criadas em cativeiro, participando de pesquisas e fazendo divulgação científica, além de ser colaboradora no Instituto GilsonVolpato de Educação Científica - IGVEC. Em 2016 criou o blog ConsCIÊNCIA Animal para divulgar comportamento e bem-estar animal para as pessoas em geral, que comanda até hoje. Tem publicado diversos materiais jornalísticos em veículos como ComCiência, Observatório da Imprensa e Ciência na Rua. Ama animais e o meio ambiente, gosta de pintar e adora assistir um bom filme ou série.