“Ai, que dó”: filhote de arara cai do ninho e pescadora faz resgate emocionante no rio
Por Beatriz Menezes em Mundo Animal
Imagine que você está navegando por um rio de águas calmas, cercado por troncos secos de palmeiras que guardam ninhos de aves raras. De repente, um movimento interrompe a superfície da água.
É um filhote de arara, com as penas ainda em formação, lutando contra o afogamento após uma queda de um ninho a metros de altura. O que você faria?
Para a pescadora Nil Viana, moradora de Itaúba, no Mato Grosso, a resposta não foi apenas o resgate físico, mas uma operação de salvamento baseada no respeito absoluto ao habitat silvestre.
O episódio, ocorrido em 26 de outubro, revela muito sobre os desafios da fauna no norte mato-grossense, especificamente a 100 quilômetros de Sinop, às margens da BR-163.
A região de Itaúba vive um cenário de transformação geográfica intensa. Situada entre os reservatórios das usinas hidrelétricas de Colíder e Sinop, a cidade viu o Rio Teles Pires se transformar em um imenso lago.
Em entrevista ao Amo Meu Pet e pescadora contou que onde antes existiam brejos e minas de água, hoje há um alagado permanente que sustenta o que Nil chama de berçário natural.
"Lá é um habitat natural delas, antes de ter o alagado da usina. Tinha o rio Teles Pires e a usina UHE de Colíder e Sinop, as duas ficam uma para cima e outra para baixo. A minha cidade ficou no meio das duas, então se tornou um lago", detalha Nil Viana.
Essa mudança no ecossistema trouxe consequências diretas para a reprodução das araras. Os coqueiros, que servem de abrigo para os ninhos, estão apodrecendo devido ao excesso de umidade nas raízes.
À medida que os troncos caem, o espaço para a vida diminui e o risco de acidentes, como o que vitimou o filhote, aumenta drasticamente.
No dia do resgate, a percepção de Nil foi rápida, ela avistou o filhote na água, provavelmente após uma tentativa frustrada de voo a partir de um ninho alto.
A operação exigiu logística e calma. Nil contou com o apoio de um vizinho, para conduzir a embarcação.
"Eu tive ajuda [de um vizinho] eu pedi pra ele me ajudar porque tinha que ir com o barco e mesmo eu pilotando, eu fiquei nervosa então eu precisei de ajuda", confessa a pescadora.
O nervosismo era justificado pela fragilidade do animal, que estava exausto e encharcado.
Uma vez fora da água, o maior desafio não foi a alimentação, mas a segurança contra predadores e a manutenção do vínculo familiar. Nil adotou uma técnica de manejo que prioriza a "adoção" de volta pelos pais biológicos.
Em vez de levar o animal para dentro de uma residência ou colocá-lo em uma gaiola, ela utilizou uma garagem aberta, de frente para os coqueiros onde a família da ave reside.
"Eu não coloquei ela para dentro de casa, nada disso. Eu resgatei ela e coloquei ela numa garagem que fica de frente pro alagado. Os pais das araras são muito protetores, muito mesmo", explica.
A estratégia de Nil foi secar o filhote com um pano e mantê-lo livre em um local onde pudesse emitir sons e ser localizado. O resultado foi imediato e assim que o filhote começou a gritar, os pais identificaram a localização e passaram a monitorar a garagem.
"No primeiro dia a gente teve que secar e ficar olhando a evolução dela. Como os pais a gente colocou ela na garagem, os pais já vieram lá para cima já ficaram do lado dela", relata Nil.
Esse contato visual e sonoro é essencial para que os adultos continuem alimentando o jovem e o reconheçam como parte do bando.
Muitas pessoas, movidas pelo impulso de ajudar, acabam domesticando animais silvestres, o que muitas vezes os condena a uma vida de dependência. Nil seguiu o caminho oposto.
Ela permitiu que o filhote usasse um pé de ipê em frente à garagem como degrau para a liberdade.
"A gente deixou ela lá livre para subir na garagem e subir para o pé de ipê. Os próprios pais vêm até ela e no momento certo ali, às vezes pode ser menos dias ou mais dias até ela se recuperar mesmo e aprender a voar", conta.

A alimentação continuou sendo responsabilidade exclusiva das araras adultas, preservando o sistema imunológico e os hábitos alimentares naturais do filhote.
O tempo de reabilitação foi curto, evidenciando que a ave estava saudável, apenas precisando de um tempo de descanso e plumagem seca.
"Não foi mais que dez dias. Uma semana e pouca ela já voou", recorda a pescadora.
Questionada sobre a marcação do animal, Nil é enfática ao dizer que nunca cogitou colocar anilhas ou qualquer identificação.
"Não colocamos nada porque ela não é um animal de estimação. A gente só tirou ela da água e ela continuou no seu habitat natural. Ela vive a vida dela e nunca mais vai voltar lá", afirma com a clareza de quem entende que o sucesso do resgate é justamente a ausência de retorno.
Ela não se considera uma especialista, mas uma cidadã consciente que ocupa um território compartilhado com a fauna.
"Cuidar de aves, a gente não tem nenhuma autoridade no assunto para dizer que eu cuido de aves. Sempre que apareceu alguma, foi por alguma situação mesmo, e assim, não é recorrente", pontua.
Confira o vídeo:
Conheça a arara-canindé
Segundo o Instituto Arara Azul a arara-canindé é uma das espécies mais emblemáticas da fauna sul-americana, com presença marcante desde o Panamá até o norte da Argentina.
No Brasil, sua versatilidade permite que habite biomas distintos, como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal.
Reconhecível pelo contraste inconfundível entre o azul do dorso e o amarelo vibrante do ventre, a espécie pode atingir até 86 centímetros de comprimento, pesando cerca de 1,3 kg.
Hábitos e alimentação: com uma dieta generalista, essas aves desempenham um papel fundamental como dispersoras de sementes. Alimentam-se de frutos, brotos, néctar e sementes, selecionando o alimento de acordo com a facilidade de captura e o retorno energético. Sua vocalização é potente e distinta, funcionando como uma assinatura que permite diferenciar as espécies de araras apenas pelo som.
O desafio da reprodução: a reprodução da arara-canindé é altamente dependente da disponibilidade de ninhos em troncos de palmeiras mortas. O período reprodutivo concentra-se entre julho e dezembro, podendo se estender até fevereiro.
Geralmente, a postura conta com dois a quatro ovos, e os pais dedicam-se intensamente ao cuidado parental e à defesa do território até que os juvenis estejam prontos para o primeiro voo.
Ameaças e conservação: embora seja classificada globalmente como "Menos Preocupante" pela IUCN, a arara-canindé enfrenta declínio populacional devido à degradação de seus habitats e à pressão do tráfico de animais silvestres.
Por sua beleza e capacidade de imitar sons, é um dos psitacídeos mais visados pelo comércio ilegal.
Em áreas urbanas, como Campo Grande (MS), a espécie demonstrou grande resiliência, adaptando-se a cidades arborizadas.
No entanto, o convívio com humanos traz novos riscos, como eletrocussão em cabos elétricos, atropelamentos e ataques de animais domésticos, reforçando a necessidade de políticas de educação ambiental e preservação de corredores verdes.









