Alexandre Rossi explica quais atitudes de cães e gatos indicam problemas comportamentais

Saiba as diferenças entre problemas comportamentais de pets e comportamentos indesejados por tutores.

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em Comportamento

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que no Brasil existem mais de 30 milhões de animais abandonados. Comportamentos que os pets expressam e que são indesejados pelos tutores representa uma das principais causas de abandono desses animais. O que muitos não sabem é que um comportamento indesejado pelo tutor não é, necessariamente, um problema comportamental do animal. Comportamentos indesejados muitas vezes estão ligados às necessidades naturais dos pets.

Nesta entrevista exclusiva para o Amo Meu Pet, Alexandre Rossi, o famoso Dr. Pet da TV, aborda essa e outras questões relacionadas aos problemas comportamentais em cães e gatos. Alexandre é zootecnista, veterinário e mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), além de especialista em comportamento de animais domésticos pela Universidade de Queensland, na Austrália.

AmoMeuPet: Qual é a relação entre os problemas comportamentais dos pets e seu bem-estar?

Alexandre: Os problemas comportamentais que realmente prejudicam o animal, sinalizando algum desvio comportamental ou alguma psicopatologia, podem ser uma consequência, mas também a causa do mal-estar do pet. Ou seja, esses problemas comportamentais podem surgir porque o animal não está numa condição boa – consequência, ou eles podem colocar o pet numa posição ruim em termos de bem-estar, causando algo desagradável para o animal. Vamos dar um exemplo: o comportamento compulsivo de se lamber demais. Esse tipo de comportamento pode sinalizar que o animal está entediado, que ele não tem atividade física ou mental suficientes, por exemplo. Mas ele também pode prejudicar diretamente o bem-estar do animal, por exemplo, propiciando a formação de uma região constantemente mais úmida na pele em função das lambidas muito frequentes. Isso pode levar ao desenvolvimento de fungos e bactérias, o que vai fazer com que o animal coce e lamba ainda mais a região, virando assim um ciclo vicioso. O interessante sobre a compulsão é que ela pode se manter mesmo depois da situação de mal-estar ter ido embora. Por exemplo, animais que ficam presos em espaços muito pequenos desenvolvem determinados comportamentos, como correr em volta do rabo, que mesmo depois de estarem vivendo num ambiente maior e melhor, podem continuar apresentando esse comportamento impulsivo. Existem pesquisadores e especialistas que, inclusive, chamam isso de ‘cicatriz mental’, ou seja, algo que denuncia que aquele animal já sofreu de mal-estar.

AmoMeuPet: Qual é a relação entre os comportamentos indesejados pelos tutores e os problemas comportamentais que os pets podem apresentar?

Alexandre: Muitas vezes os comportamentos dos pets que são indesejados pelos tutores representam necessidades naturais dos animais que eles ‘adaptaram’ para a vida que vivem, mas que acabam sendo proibidos pelos tutores. Ou seja, algo que não é um problema para o pet, mas sim para o tutor. Por exemplo, cavar o jardim, fazer xixi nos móveis, andar a noite fazendo barulho pela casa, roer objetos, etc. Na verdade, é até legal a gente saber quais são os comportamentos naturais desses animais, porque muitos desses comportamentos acabam sendo uma fonte de prazer para o pet, ou seja, algo que é bom para o bem-estar dele. E aí é interessante buscar ocupar o tempo do pet com algo relacionado a esses comportamentos, porque com isso há menos chance dele fazer algo que os tutores não gostem. Por exemplo, existem vários tipos de brinquedos para pets, com várias texturas e formatos diferentes, que eles podem roer, que é um comportamento natural deles. Assim, oferecer tais brinquedos pode ser vantajoso tanto para melhorar o bem-estar dos pets quanto para evitar que fiquem roendo objetos perigosos ou que o tutor não gostaria que fossem destruídos. É importante mencionar aqui que a gente tem que tomar cuidado porque não vamos conseguir evitar todos os problemas ocupando o tempo do pet apenas com algo para roer. O animal tem que ter estímulos para várias atividades diferentes, porque se ele ficar apenas roendo por muito tempo o mesmo objeto, da mesma forma, por exemplo, ele pode ter um desgaste na articulação da mandíbula e até dos dentes. O ideal é que se varie as atividades do pet tanto de forma física quanto em nível psicológico.

AmoMeuPet: Quais são os principais problemas comportamentais dos cães? Como podemos evitá-los?

Alexandre: Considerando as duas categorias, ou seja, tanto aqueles que não são problemas comportamentais, mas sim indesejados, e também os problemas comportamentais propriamente ditos, roer objetos indesejados pelos tutores e os problemas compulsivos que eu já expliquei e indiquei possíveis soluções, são comuns. Além deles, um outro problema importante e interessante é a ansiedade de separação, que, inclusive, entra nas duas categorias, porque tanto incomoda o tutor como também é um sinal de que o cachorro está sofrendo. Para evitar a ansiedade de separação é importante que o cachorro tenha acesso aos locais onde a família fica, por exemplo, acesso ao quarto onde as pessoas dormem ou ao sofá onde a família assiste televisão. Os cachorros tendem a ficar em uma melhor condição de bem-estar ao acessarem esses espaços quando estão sozinhos. Isso se deve provavelmente pela presença do cheiro das pessoas ou pela própria memória do cachorro ao se lembrar das pessoas lá. Com isso, ele acaba tendo um comportamento mais compatível com uma espécie social, que é exatamente ficar onde o grupo gasta um certo tempo. Por exemplo, se fosse um lobo, os animais voltam para a toca e quando a fêmea fica esperando o macho que saiu para caçar, ela fica na toca também. Às vezes só os filhotes do lobo ficam num determinado local, um cantinho específico, que, no caso dos cães, seria mais compatível com o nosso sofá ou com a nossa cama.

AmoMeuPet: E quais são os principais problemas comportamentais dos gatos? Como podemos evitá-los?

Alexandre: No caso dos gatos, fazer xixi fora do lugar é um dos grandes problemas. Normalmente gatos machos castrados tendem a fazer menos xixi fora do lugar. Além disso, é um comportamento menos comum também em casas que não tenham muitos gatos. Então, evitar um número grande de gatos no ambiente é importante. Mas o que eu sempre sugiro é aumentar a quantidade de caixas de areia presentes na casa e, além disso, testar a preferência dos gatos por diferentes tipos de areia e tipos de caixas também. Para isso, além de oferecer mais caixas, é importante colocar caixas que sejam diferentes entre si, e com tipos de areia diferentes. Com o passar do tempo, é possível perceber quais caixas estão sendo utilizadas preferencialmente pelo gato e também quais são os locais que eles mais gostam. Levando isso em conta, a gente pode começar a reduzir o número de caixas para ver se o problema ainda persiste.

Um outro problema que incomoda muito os tutores com bastante frequência é a questão dos gatos arranharem os móveis. E veja que esse é um comportamento super natural desses animais. Então, um jeito de solucionar esse comportamento indesejado é disponibilizar estruturas próprias para eles arranharem, preferencialmente aquelas que forem preferidas pelos gatos. A gente fez uma pesquisa científica que acabou de ser aceita para publicação numa revista internacional na qual vimos que o gorgurão impermeável é um tecido que aparentemente eles não gostam de arranhar. Então, evitar esse tecido em móveis estofados é uma possibilidade para ajudar a evitar que os gatos arranhem esses móveis. Mas vale mencionar que é importante compensar isso com a presença de arranhadores em locais específicos da casa que sejam firmes, do tamanho adequado e de diversos tipos e materiais, como sisal ou papelão. Além disso, uma outra dica aqui é que os objetos mais assediados pelos gatos, ou seja, aqueles que certamente serão destruídos, podem ser cobertos com uma capa, ou simplesmente com um pano, o que já pode ser o suficiente para o gato não querer mais afiar as unhas alí.

AmoMeuPet: Como o adestramento pode melhorar a vida dos pets com problemas comportamentais?

Alexandre: O adestramento pode melhorar a vida dos pets por diversos motivos. Um ponto importante é que quando você ensina algo pro pet, você acaba entendendo melhor as motivações e os desejos do animal. Você acaba se colocando mais no lugar dele, começa a pensar mais como ele pensa e entender o mundo da maneira com que ele entende. E isso acontece porque no adestramento, ao tentar ensinar uma coisa que é ‘óbvia’ para nós percebemos que o pet não entende dessa forma, ou seja, que ele entende uma outra coisa. Por exemplo, é muito comum que uma pessoa que não entende de adestramento e que está tentando ensinar um cão a morder só objetos permitidos, vá até o animal quando ele tiver destruindo algo ‘proibido’ e dê um brinquedo apropriado para ele destruir, tentando mostrar que é o correto. Talvez uma criança possa entender isso, mas o cachorro entende que ele foi recompensado por aquele comportamento, ou seja, ele entende que quando quiser um brinquedo ou a atenção do tutor, basta morder exatamente a coisa ‘errada’ que o tutor vai vir e oferecer algo prazeroso para ele.

Já os tutores que se envolvem no adestramento acabam percebendo claramente a consequência de recompensar o cachorro. E, com isso, esse tipo de problema começa a ficar cada vez mais raro, porque a pessoa entende que ela está adestrando seu pet o tempo todo e aprende a ensinar coisas que ela quer, automaticamente parando de ensinar o que ela não quer. Além disso, o adestramento aumenta a atividade física e também mental do pet, permitindo criar condições que tornam mais fácil gastar a energia dos pets ou motivá-los a fazer as coisas que a gente quer. Por exemplo, a gente não consegue ficar correndo no quintal de um lado para o outro na velocidade e no tempo que os cães conseguem, mas se você ensina um cachorro a buscar uma bolinha e te entregar, você consegue facilmente jogar a bolinha várias vezes para ele e ao mesmo tempo até fazer uma outra atividade. Eu, por exemplo, quando estou na minha casa trabalhando na mesa e eu tenho que me concentrar na atividade, eu espalho bolinhas de tênis pela casa e a Estopinha e o Bartô, meus cães, vão trazendo as bolinhas de tênis que encontram escondidas, as quais eu troco por um petisco.

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Carol é bióloga, mestre e doutora em Zoologia pela Unesp e especialista em Jornalismo Científico pelo Labjor da Unicamp. Faz parte da equipe FishEthoGroup (FEG) de cientistas internacionais, desenvolvendo perfis de comportamento e bem-estar de espécies de peixes criadas em cativeiro, participando de pesquisas e fazendo divulgação científica, além de ser colaboradora no Instituto GilsonVolpato de Educação Científica - IGVEC. Em 2016 criou o blog ConsCIÊNCIA Animal para divulgar comportamento e bem-estar animal para as pessoas em geral, que comanda até hoje. Tem publicado diversos materiais jornalísticos em veículos como ComCiência, Observatório da Imprensa e Ciência na Rua. Ama animais e o meio ambiente, gosta de pintar e adora assistir um bom filme ou série.